domingo, 25 de maio de 2008

Eu sou Você

– Eh... Com licença...

– Pois não?

– Eu queria te dizer uma coisa... Posso?

– Que coisa?

– Uma coisa.

– Hm... Pode, pode sim. O que é?

– Bom, eu sei que é meio estranho te dizer isso...

– Não, não, pode falar. Agora eu fiquei curioso.

– Tem certeza?

– Não foi você que disse que queria falar? Então: agora fala.

– É verdade... Bom, então lá vai...

– Sim?

– Eu sou Você.

– O quê?

– Eu sou Você.

– Você sou eu? Como assim?

– Ora, é isso mesmo que você ouviu: eu sou você, você sou eu.

– Eu não sou você.

– Claro que é. Nós estamos sendo escritos pela mesma Pessoa.

– Como assim, “escritos”?

– Há Alguém escrevendo o que estamos falando.

– Você é doido...

– Então você também é doido. Nós somos doidos.

– Ai, ai, é cada uma que me aparece... Olha só, é o seguinte: eu vou te dar uma chance de provar que o que você ta falando é verdade.

– Tudo bem, provarei. Começo lhe fazendo uma simples pergunta: onde você estava antes?

– Antes?

– É, antes. Antes de eu falar com você.

– Eu estava ali.

– “Ali”, onde?

– Ora... Ali!

– Você está me enrolando. Você não sabe onde estava!

– Claro que sei.

– Onde?

– Ta bom. Suponhamos que você esteja certo e eu não saiba onde estava. O que isso prova?

– Prova que você não sabe onde estava porque só começou a existir assim que Ele começou a escrever.

– “Ele”, quem?

– Ele. O Autor.

– Você é louco...

– Não sou louco. Pense um pouco: você está aqui agora conversando comigo e não tem a menor idéia de onde estava antes. De repente, eu o chamei e nós iniciamos este diálogo. Que é na verdade um monólogo. Do Autor.

– Você está me deixando confuso...

– Desculpe. Mas é a verdade.

– Será?... Como você pode ter certeza?

– Através da intuição e do raciocínio. Veja, vamos continuar com a prova: onde você está agora?

– Agora...? Eu... Eu... Eu não sei!

– Está vendo? Você nem sabe onde está agora mesmo. Mas não se desespere, ainda há mais uma perguntinha a ser feita, pra finalizar: quem é você?

– Ah, meu Deus... Eu também não sei! O que é isso? Como posso não saber todas essas coisas?! Como posso não saber de onde eu vim, onde estou e quem eu sou? É impossível!

– Não é impossível. Está acontecendo agora.

– VOCÊ QUER ME DEIXAR MALUCO? É ISSO?

– Não, sinto muito... Minha intenção era simplesmente alertá-lo sobre estas coisas e dizer que nós somos a mesma Pessoa.

– Tudo bem, me desculpe... Eu me exaltei. Mas é que é tão difícil... Eu nunca poderia imaginar...

– Eu sei, eu sei... Também passei por isso.

– Hm... Me fale mais sobre o Autor.

– Não sei muito sobre Ele. Apenas que Ele está nos escrevendo.

– Ele está nos escrevendo mesmo agora? Neste instante?

– Sim. Cada palavra.

– Fascinante... Como Ele faz isso?

– Bom, parece que antigamente Ele usava uns instrumentos divinos chamados Caneta, ou Lápis, ou Pena, e Papel. Escrevia com o Lápis (ou a Caneta ou a Pena) no Papel. Mas, hoje em dia, acredito que estejamos sendo digitados.

– “Digitados”?

– Isso. Escritos por um Teclado, no Computador.

– Quer dizer que estamos, agora, no Computador?

– É o que eu acredito.

– O que é um Computador?

– Isso eu ainda não sei.

– Minha nossa... Tudo isso é muito novo pra mim, nem sei o que pensar.

– Pois é...

– Mas, vem cá, você não disse que eu sou você?

– Sim, porque estamos sendo escritos pela mesma Pessoa.

– Então nós somos o Autor?

– Não. O Autor é nós dois ao mesmo tempo, mas nós não somos o Autor. Ele é e pode ser qualquer coisa que quiser. Basta Ele escrever.

– Mas por que Ele quis ser, escrever, sei lá, nós? Pensando bem, por que Ele escreve?

– Você tocou o cerne da questão. Acho que isso nunca saberemos ao certo. Só podemos fazer suposições, enquanto não chega o Fim do Texto.

– “Fim do Texto”?

– É. Quando Ele pára de escrever.

– E Ele pára de escrever?

– Sim. Eventualmente.

– E o que acontece conosco?

– Não sei.

– Como, você não sabe? Você sabe tantas coisas e não sabe o mais importante?

– Na verdade, acho que foi o contrário: mostrei que não sabemos nada.

– Não entendo...

– Você parece que já assimilou algumas coisas, mas ainda não compreendeu o essencial. Eu sou Você. Eu passei a existir na mesma hora em que você, talvez um pouco antes, mas somente quando o Autor começou a escrever. Não faço a menor idéia de por que eu sei algumas coisas e não sei outras, eu simplesmente sei. Porque Ele quis! O motivo d’Ele o querer, eu não sei.

– Mas isso já é demais... Estou a ponto de enlouquecer...! Já não bastava não conhecermos nossa origem ou quem somos nós ou nem sabermos onde estamos, já que nada adianta sabermos que estamos no Computador e não sabermos o que é o Computador; ainda temos que conviver com o fato de que uma hora chegaremos ao Fim do Texto e nem sabemos pra onde vamos depois!!!

– E nem o porquê de tudo isso.

– Exato! Nem isso! Saber que a qualquer instante o Texto pode acabar e que estas podem ser minhas últimas Palavras... E se minhas últimas Palavras forem sem sentido, sem nexo, um amontoado de pensamentos inúteis ao fim de um diálogo sem motivo, que começou ao acaso, um...

15 comentários:

Anônimo disse...

Gatão, seus comentários são SEMPRE bem-vindos, mesmo quando começas mais a falar consigo mesmo, na verdade eu adoro essas coisas da escrita... Quando nenhum pensamento é deixado de fora, mesmo que algumas pessoas possam o considerar irrelevante.
E ah, a minha mãe de repente gosta muito de ti! huahuahuahuahua :)

:*

Anônimo disse...

HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHAUAHUAHUA
Muito bom... Essa é a famosa viagem que todos que escrevem muito tem! Os famosos embrigados de palavras!
Já tive uma coisa assim. Escrevia um diálogo de duas personagens, mas os pensamentos e a personalidade delas acabavam se entrelaçando, e elas começaram a falar minhas próprias indagações quanto a isto. Tudo o que é escrito, todos os personagens, são partes do autor. Seja de sua própria personalidade, quanto um espelho de vivência e experiência em diversas situações. O teu texto explicita isso, e também a coisa mais maravilhosa da escrita: quando se escreve se pode tudo!
Beijos

Seane Melo, Secoelho disse...

- rapáz, posso lhe dizer uma coisa?
- o que?
- adoro textos de domingooooooo \o/

Esse texto tá muito massa! Ele serve tanto para a criação literária como para a nossa vida, no caso seria um outro autor, mas com as mesmas iniciais maiusculas - Autor.

Eu escrevi um texto há algum tempo, no qual todos os personagens tinham a mesma voz simplesmente por serem escritos por mim, acho que essa idéia que eu quis passar foi bem melhor transmitida em algumas passagens do seu texto.

Solitude disse...

Belo texto.
Encarei o diálogo como uma metáfora de vida e morte, e eu acho que foi proposital o 'P' maiúsculo.
Tenho também umas coisas dessa, mas não escrevo, só converso comigo.


Sobre a pergunta que foi deixada no seu último comentário:
eu consegui uma boa resposta, mas me esqueci pouco antes de postar esse comentário. Essas coisas acontecem...

abraços

Verônica Elias Rumorosa disse...

Fantástico, adorei o conto, história, ou seja o que for! Parabéns!

Apareça:

www.desarranjosintetico.blogspot.com


Fábio.

R. disse...

iu.

Cazi Moraes disse...

rapaz, é foda.
ri pra caralho já.
me lembra um que eu escrevi há um certo tempo, que foi roubado :~
lembra? daquele que eu fiz e te mostrei, do dialogo de um louco que liga pra casa de uma mulher do nada?
HAHAHAAHA
era foda.

Anônimo disse...

hauhauahuahuahauhuahauhaua

Mt bom!

Mt mt mt bom!

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Émile Robot disse...

quem seres tu? és mamífero?

me arrepiei lendo isso =*

Camila Chaves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Camila Chaves disse...

huahauhauauhauahauhauuahuaua
muito bom! muito bom, mesmo!

isso me fez lembrar das tirinhas do maurício. vezes por outras ele desenhava a si mesmo. recordo-me uma vez em que ele passou uma borracha em uma parte da história. rs. os autores são dotados de poder. talvez, em teu texto o "Ele", escrito em maiúsculo, tivesse a intenção de dar essa idéia.

no texto, eu gosto da parte em que eles, ou na verdade ele (já que são a mesma pessoa), chegam à conclusão de que estão em um monólogo escrito por Ele (na verdade, tu).

gostei porque costumo fazer isso, assim como costumo também conversar com auto-messages alheios. hahahahahaha. ai ai.

e o final? hahahaha perfeito.

abraços, sr. gato. (=

Flávio. disse...

muito bom cara, tbm já fiz um lance parecido com esse teu, mas só que nele os personagens eram meus pensamentos.

no final do teu texto a gente pode até fazer uma analogia com nossa própria condição humana incerta, e até certo ponto, ignorante de tantas questões essenciais a nossa compreensão.

Andalando... disse...

Ai... adorei esse texto gatinho existente... acho que somos isso mesmo... agora o que mesmo, extamente eu não sei... muito bom...

Samanta disse...

Esse texto me lembrou uma passagem de "Alice no país do espelho", quando a Rainha Vermelha diz que todos os personagens da história estão sendo sonhados naquele momento pelo Rei vermelho.

Essa leitura muito me marcou: desde então sempre me questiono se todos nós não somos meros personagens, sendo sonhados/escritos por um ser que está apenas dormindo - e que vamos sumir com seu despertar. Teu texto me causa semelhante interrogação...

Também eu já comecei um texto onde as duas personagens eram a mesma pessoa...Acho que nunca terminei.

Esse teu ficou divertido e bem escrito.Gostei.