sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Considerações humorístico-políticas

O Brasil é um país muito engraçado. Tanto no sentido de intrigante quanto no sentido mesmo de cômico. Principalmente no sentido cômico. Como diria o Macaco Simão, é o país da piada pronta. E digo mais: além de pronta, a piada já vem devidamente executada pelos humoristas acidentais (ou melhor seria dizer, incidentais) do "causo" em si, que se desdobram em performances memoráveis em todas as cenas e que, além de nos presentearem com tais apresentações, não se incomodam em, muitas das vezes, serem a própria piada em si.

Como o maior exemplo da atualidade, temos o excelentíssimo senhor senador e presidente do Senado em licensa, Renan Calheiros, míster na representação de cordeiro em pele de lobo, de honesto cidadão injustamente perseguido por secretos vilões da democracia brasileira, que insistem em vasculhar tão ético passado em busca de inexistentes canalhices; perfeito na encenação do tragicômico herói envolto em turbutentas emboscadas armadas pelos seus inimigos e que gradativamente vai escapando de todas elas - enquanto mata o espectador de risos.

O senhor senador Renan Calheiros entra agora - ou já entrou há muito tempo, quem sabe - ao inigualável hall de humoristas do qual fazem parte figuras do calibre de Severino Cavalcanti, Roberto Jefferson, Fernando Collor de Melo, Salvatore Cacciola, Paulo Maluf, Celso Pitta - a lista é extensa. Cada qual autor de obras de valor inestimável para a cultura brasileira - e por que não dizer, mundial, universal. Mas há algo em nosso querido Renan que salta aos olhos e que, por mais que outros monstros sagrados do teatro nacional tenham se aproximado, não chegam a fazer frente ao dote principal do humorista Calheiros: o olhar. Olhar que desafia os deuses. Olhar que avista a presa a quilômetros de distância; carregado de algo que, podem até dizer que é cinismo, mas a mim se assemelha mais à serena paz dos justos. Olhar que parece dizer: "Eu posso até ser a piada, mas estou me divertindo mais que todos vocês". Enfim, um olhar como poucos.

Bem-aventurado seja o povo brasileiro, que pode se gabar de ter como conterrâneos Renan Calheiros e outros tantos talentosos artistas, todos, sem dúvida, de nível internacional, com atuações marcantes, fazendo-nos rir como riem mulheres divertidamente estupradas por hilários desconhecidos; ou gargalhar como mendigos que são alegremente humilhados por irreverentes transeuntes; sorrir convulsivamente como sorriem convulsivamente pais que vêem animadamente mulher e filhos passar fome com muita graça; cascar o bico como espirituosas mães que assistem, inertes, à burlesca entrada dos filhos nas mãos do tráfico.

Bom, acho que já deu pra entender.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

O porão secreto

Floyd era um garoto estranho. Além de estranho, inteligente. Além de estranho e inteligente, muito, muito curioso. Curioso do tipo que não se aquietava até ir a fundo em suas dúvidas, em esmiúçá-las, em, uma a uma, retirar-lhes do emaranhado de teias que lhe compunham as idéias - idéias estas que eram várias, inúmeras, pois ele era bastante inteligente, do tipo que percebia que sua inteligência de nada valia em comparação à totalidade do Universo, que todo o conhecimento por ele adquirido não passava de um sopro vulgar no surreal tufão de mistérios da existência. Tudo isso, convenhamos, tornava-o um jovem deveras estranho, do tipo talvez excessivamente paranóico, um tanto quanto avoado, demasiadamente inconstante. Enfim.

O fato é que ele, já há um tempo considerável, andava também bastante apreensivo, pois tinha se metido numa enrascada. Em mais uma de suas noites de insônia pensando na vida e sondando o Insondável, vagando pela sua casa, sem saber como ou por que, possivelmente guiado por uma força sobrenatural ou algo do tipo, ele descobrira um vão secreto no corredor que dava para os quartos. Guiado pela sua curiosidade natural, ele adentrara o ambiente recém descoberto, não sem uma oportuna cautela e algum receio. Tateando às cegas o espaço a sua frente, agarrara uma cordinha suspensa no ar que, ao puxá-la, acendera uma luzinha logo acima de sua cabeça, iluminando todo o compartimento ao seu redor.

Ainda meio que sem acreditar no que havia descoberto, sentira-se invadir por uma espécie de calma alegria, seus olhos brilhavam de excitação: o porão, desmedidamente grande para algo escondido no subsolo de sua casa, estava recheado de estantes e prateleiras, todas elas abarrotadas de livros. Incontáveis livros! Seu êxtase era tal que ele nem ao menos dera trela a uma perguntinha que ficara incomodando a sua felicidade: "Mas de onde surgiu esse monte de livros escondido embaixo da minha casa?!" Talvez - e eu digo apenas "talvez", porque nunca se sabe como trabalha o Destino, essa entidade maluca e sempre disposta a nos pregar as mais imprevisíveis peças - se não tivesse ignorado esta perguntinha e tentasse desvendá-la, ele pudesse ter evitado o problema no qual se meteu.

Não vendo mais perigo naquele porão secreto além dos que já sabidamente ignorava, tratara de manter segredo sobre seu achado, frequentando-o sempre às escondidas, todas as madrugadas, assim que todos dormiam e ficava até quase o nascer do sol. Sua mãe até notara o aumento repentino de suas já costumeiras olheiras, mas nada comentara. Sua namorada também estranhou um pouco e lhe fez algumas perguntas nesse sentido, mas ele as contornava com tamanha maestria que ela achou que fosse apenas mais uma de suas estranhezas. Na faculdade, ele já tinha sido apelidado de "turista", pois raramente dava as caras por lá. Ninguém desconfiava do verdadeiro motivo de tais mudanças. E Floyd nunca tinha sido tão feliz.

Bom, pelo menos até o fatídico dia em que suas preocupações começaram. Numa de suas madrugadas no porão secreto, deparara-se com um livro de título, digamos, bastante sugestivo: O Livro Proibido. Apesar da hesitação inicial, seu lado curioso vencera a batalha contra a cautela e a prudência e ele terminara por abrir o livro. Imediatamente, este libertara-se de suas mãos, passando a girar descontroladamente no ar, suas páginas dançando como se à mercê de um vento muito forte. Enquanto isso, aos poucos, uma espécie de névoa brotava do centro daquele inesperado acontecimento e, por fim, tomara a forma de uma mulher, loura, bastande bonita mas de aspecto severo, com uma roupa preta que lembrava mais um biquíni. De capa.

Suas palavras foram tais, com tamanhas dureza, crueza e maldade, que evitarei expô-las aqui, na íntegra, com o objetivo de poupar o leitor, mas o seu teor era basicamente o seguinte: ela era ninguém mais, ninguém menos que Éris, a deusa grega da discórdia, e aquele porão lhe pertencia. Ele (o porão) não estava necessariamente no subterrâneo da casa de Floyd: habitava uma região imperscrutável do espaço-tempo e fixava-se ao alcance das pessoas que ela escolhia "ao acaso" para passar por determinados testes, no caso particular de Floyd, o da curiosidade. Mas a punição era sempre a mesma: como nosso "herói" não passara no teste - ele abriu o Livro Proibido, fato que deveria ter evitado, controlando seu lado imprudente - precisaria provar que era querido pelas pessoas que amava ou sumiria. Isso mesmo: Éris lhe pusera um feitiço que mediria a quantidade de carinho que ele recebia das pessoas ao seu redor e, se essa quantidade ficasse abaixo do que ela considerava aceitável, ele seria retirado da realidade à qual pertencia e ficaria preso durante um prazo indeterminado numa outra dimensão.

E então chegamos ao motivo da apreensão que Floyd passara a sentir no começo de nossa história. Ele tinha três meses para passar pela prova de Éris e, para tal, poderia se valer de quaisquer artifícios, com a exceção óbvia de revelar a alguém os segredos sobre a tarefa, Éris ou sobre o porão secreto. E mais: quanto mais ele alterasse a espontaneidade das pessoas (pedindo ou implorando para elas serem mais carinhosas com ele) mais aumentaria a "quantidade aceitável" a ser alcançada, ou seja, mais difícil se tornaria a prova. Portanto, ele deveria agir com muita cautela.

No início, Floyd resolveu não interferir de maneira muito grosseira na atitude das pessoas, apenas tratou de reaproximar-se delas, visto que há muito ele andava afastado de todos, não só pela descoberta do porão, mas também porque, antes disso, ele já havia se tornado um pouco fechado demais em si mesmo, numa espécie de arrogância contida, um tipo de egoísmo interno mascarado de altruísmo, possivelmente uma das razões para sua escolha "aleatória" por Éris. Esse fator tornou sua tentativa de reaproximação mais complicada do que ele esperava e o tempo se tornava cada vez mais escasso. Por isso, decidiu que deveria pedir mais carinho e atenção às duas pessoas que acreditava serem as que mais valiam o risco de aumentar a quantidade exigida pela deusa da discórdia - sua mãe e sua namorada - pois, ele acreditava, teriam muito amor e atenção a lhe oferecer caso ele lhes reclamasse sobre o descaso que vinha sentindo da parte delas, devidamente "computados" pelo feitiço "contador" que Éris tinha posto em seu corpo.

Com sua mãe, tudo saiu conforme ele imaginava: ela ouviu com atenção as reclamações que seu filho lhe fizera e mudou em relação a ele, tratando-o de maneira bem melhor. Floyd, finalmente, sentiu-se confiante de que poderia, sim, passar pela ingrata tarefa que lhe fora imposta. Mas suas esperanças se desvaneceram por completo ao fazer o mesmo com sua namorada: ela prontamente se irritou com a reclamação, porque acreditava que já dava todo o carinho e atenção que podia e era bom que Floyd se desse por satisfeito, hum! E o pobre Floyd, que esperava receber com sua salvadora tentativa a quantidade de amor necessária para provar àquela deusa maldita que era querido pelas pessoas que amava, viu acontecer totalmente o contrário: em vez de atenção, recebeu indiferença; avessamente ao carinho, viu a frieza tomar forma ainda mais concreta.

Depois desse acontecido, resignou-se. "Talvez", ele pensava, "eu realmente não seja muito querido pelas pessoas e mereça a punição reservada a mim". Com essa reflexão, apesar de um pouco taciturno, seu semblante denotava uma certa calma, como a de quem quer simplesmente aproveitar o restinho de tempo de que ainda dispõe, e passou seus últimos dias sem nenhuma outra tentativa de fazer com que pudesse "somar mais carinho" ao que já havia conseguido. No fim, desapareceu sem deixar vestígios, o que causou comoção geral entre seus conhecidos. Perguntavam-se se sua mudança de atitude nos últimos tempos não estaria definitivamente ligada ao seu desaparecimento e auto-avaliaram-se a respeito da forma que haviam procedido com Floyd.

Muitos arrependeram-se.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Há males que vêm para o Mal

(publicado originalmente em 7 de junho de 2005)

O Maranhão, o Maranhão. Um estado que não sabe muito bem se é do Norte ou do Nordeste, dividido entre os dois conceitos e que, no fim, acaba tendo características só suas. Um misto entre Floresta Amazônica e Sertão, sem ser, especificamente, nenhum dos dois. Um estado que, talvez pelo fato de ter esse aspecto único, não tenha referência de como aproveitar seus recursos, desde o potencial turístico até a nossa diversidade extrativista. Mas isto não é desculpa. A grande verdade, que, de tão grande, não se esconde mais, é que este é um estado doente, infectado por uma Praga.

Isso mesmo, 'Praga' com 'P' maiúsculo. Pois ela atende pelo nome de Sarney. José Sarney. O Vírus, a Praga, a Bactéria, que há muito tempo contaminou o corpo político maranhense e se alastrou por todo o seu território, em todos os sentidos. É uma vergonha. É como se fosse a máfia maranhense, com toda a forma e conteúdo de organização criminosa, mas que posa de fundação, com o nobre objetivo de tirar o Maranhão do buraco - enquanto, às escondidas, cava mais e mais. E o cabeça é ele, o caridoso, o letrado, o humilde Sarney. Um homem que sempre lutou pelo desenvolvimento do Maranhão, tanto econômica quanto socialmente, com o propósito de melhorar as condições de vida de toda a população miserável. Não apenas ele, mas todos os seus bravos seguidores, como João Alberto, Edson Lobão e, claro, sua filha, Roseana Sarney.

Seria muito bom crer em toda essa baboseira se não fosse exatamente por isso: é pura baboseira, mentira, enganação das brabas. A oligarquia Sarney dominou o Maranhão com a finalidade de encher os próprios bolsos com dinheiro dos cofres públicos e, principalmente, para manter-se no poder. E não fica só no âmbito estadual. Após seu mandato como presidente da República, Sarney (o original, óbvio, não os genéricos) deixou que se destacassem duas facetas do seu inescrupuloso caráter: um cinismo desmedido, pois se passava por presidente eleito democraticamente pelo voto direto, mas, como todos sabem, elegeu-se pelo Colégio Eleitoral como vice de Tancredo Neves, assumindo a presidência quando da morte deste; e uma sede insaciável de poder, que aumentou com o fim de sua gestão presidencial, levando-o a agarrar-se a todo e qualquer governo federal, despojado de ideologias ou princípios, apenas pelo prazer de mandar, utilizando-se de todos os meios para atingir o seu fim.

E, enquanto isso, o Maranhão se atrasa. Recentemente, saiu uma pesquisa inédita do IBGE, revelando a quantas andam os mais de cinco mil municípios brasileiros. Entre os dados, confirmou-se a alcunha do Maranhão de estado mais miserável: das cem cidades brasileiras mais pobres, oitenta e três são maranhenses. Oitenta e três!!! Inacreditável. Esse é o tipo de informação que não pode passar incólume, que não pode ser ouvida ou lida sem que se tome alguma providência, sem que brote no peito uma espécie de revolta, de insatisfação. É, no mínimo, um assunto que deve incondicionalmente ser noticiado pela imprensa. Mas, então, por que não saiu em nenhum jornal?

A resposta é tão simples quanto triste: porque a imprensa maranhense serve aos interesses da oligarquia Sarney. Os principais meios de comunicação são dele, a TV Mirante e o jornal O Estado do Maranhão, e, mesmo os outros, como o Jornal Pequeno, que se diz "contra a oligarquia dos Sarneys", não passam de fachada, uma farsa, que simplesmente representam uma oposição para que as pessoas tenham a ilusão de ter uma imprensa verdadeiramente imparcial (sem trocadilhos). E, como a "fundação José Sarney" tem, hoje, uma infinidade de "integrantes", incontáveis fatos não são noticiados para atenderem aos interesses de todos esses beneficiados. Casos como o do garoto de 8 anos estuprado no banheiro do São Luís Shopping Center na semana passada ou do rapaz morto coberto de areia no Marafolia 2004 (ah, você não sabia?) não são noticiados porque não são vantajosos para Sarney e sua corja. Sem contar nos escândalos de suspeita de desvio de dinheiro público durante o governo de Roseana Sarney, filha do Dono do Mar(anhão), como o caso Lunus, que a tirou da corrida presidencial ou o caso da Estrada Fantasma entre Paulo Ramos e Arame, onde o Governo do Estado pagou 33 milhões de reais a uma construtora (também ligada à Família) para fazer uma estrada que nunca saiu do papel.

Todas essas revelações são importantíssimas, mas há uma ainda não dita, talvez nem tão gigantesca quanto algumas das já citadas, mas que impressiona pelo seu atrevimento e pela sua incontestável cara-de-pau: durante o governo João Alberto, foi doado (leia-se aqui: entregue de mão beijada) pelo Estado à Fundação da Memória Republicana o Convento das Mercês, um prédio tombado pelo Patrimônio Histórico da Humanidade. Um fato apenas "corriqueiro" se não fosse completamente inconstitucional. A Constituição Brasileira diz claramente que prédios tombados não podem ser vendidos ou doados, pois faz parte da cultura do povo, é propriedade totalmente pública. E, no entanto, foi feito: Sarney prontamente se apossou do que é nosso (pois a tal Fundação da Memória Republicana logo mudou de nome para Fundação José Sarney - discreto, não?), fazendo do prédio um culto a sua própria imagem, incluído, inclusive, um local onde ele futuramente será enterrado. Pior: na época em que o convento foi doado, ele estava passando por uma reforma e, após a doação, ele continuou sendo reformado. Em outras palavras: ele se apossou de um patrimônio histórico do estado e ainda o reformou com dinheiro público! E tudo isso feito às claras, na frente de todos. Tem cabimento?

Um ditado muito difundido nos dias de hoje é aquele que diz que há males que vêm para o bem. Ditame este que expressa algo do tipo: “Bem, aparentemente isto é ruim, mas, no fundo, possibilitará que algo extremamente melhor ocorra”. Entretanto, como Sarney faz questão de nos lembrar, há males que, irremediavelmente, vêm para o mal.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Pseudo-ensaio

(republicação)

Taí: será que tudo é possível de ser explicado e nós (eu e os outros humildes humanos, em geral) não conseguimos por pura incompetência (sem descartar a possibilidade de deficiência, não esqueçamos) ou sim, existem coisas que realmente não podem ser explicadas, que não importa quanto tempo percamos, perplexos, refletindo acerca das mesmas, elas jamais se abrirão para nós, permanecendo para sempre imperscrutáveis? (Nota pessoal inútil: 'imperscrutável' é uma palavra difícil. Nunca sei como deve ser pronunciada. "Imperrrrscrutável"? "Imperssssscrutável"? Um bom tópico para debates.)

Por exemplo, o Universo. O que é o Universo? Será que um dia o homem, fazendo uso de toda sua inteligência e de todos os aparatos tecnológicos que essa inteligência ajudou a construir, conseguirá definí-lo? Espero que sim. Porque eu já não suporto mais olhar para o céu - especialmente à noite - e não saber que imensidão negra é essa que meus olhos vêem, trazendo a mesma pergunta à tona, todas as vezes: "Mas que porra é essa?". Não que não tenha um gostinho romântico essa minha relação com o Universo, mas que cansa, cansa. E essa história, de que o tempo é infinito pros dois lados, que o cosmo não nasceu, ele sempre existiu? Perturbadora. Como é que ficamos nós, leigos em física quântica, em outras palavras, pessoas normais? Devemos enlouquecer? Devemos prostrar-nos, chorando e gritando histericamente e batendo as mãos fechadas no chão, enquanto Stephen Hawking e sua corja riem de nós, provocadoramente? Provavelmente sim. (Ou talvez, nem eles compreendam nada e o sorriso deles venha não da provocação e do sentimento de superioridade, mas de sua capacidade de nos enganar.)

Já ouvi dizer em algum lugar que a maior sacada da Ciência foi afirmar que a verdade absoluta é inalcançável. Uma bela saída para a inépcia humana, para mascarar o fato de que nossa visão é limitada e que, se não desvendarmos o(s) significado(s) da vida, não foi por burrice, mas por determinação divina. Ou seja: querem fugir da responsabilidade de me esclarecerem de uma vez por todas o que há além dos limites do espaço (porque, se ele está se expandindo - e tão velozmente - pra algum lugar deve ser, não? E dizem os especialistas que é uma dimensão atemporal, adimensional... O quê?!?) e, principalmente, duas coisas: por qual motivo algumas pessoas têm a capacidade de mexer suas orelhas, algumas até com uma certa facilidade, enquanto eu, como outros injustiçados, não; e, segundo, por que alguns felizes cidadãos torcem para times que sempre vencem seus jogos e outras, como eu, torcem para o Botafogo, destinados a sofrerem e se amargurarem em eternos campeonatos perdidos? Não, não, não. Exijo que trabalhem em dobro, mas que me façam entender o que minha mente simplória, sozinha, não consegue. Tenho direitos, também sou filho de Deus. Ou não sou?

Deus. Esse é Outro que vive atentando nossas cabeças, ligando e desligando o botão da incerteza em nossas massas cinzentas. Existe ou não existe? Se existe, teve ou não um Filho? Se não existe, o que fazemos todos nós neste mundo e o que faço eu aqui, escrevendo toda esta baboseira em vão, que não aumentará a cultura de ninguém que a ler? Sinceramente, não sei nem ouso opinar, pois é incrível. Se não me contiver, as dúvidas vão brotando sem parar, tal qual pepinos, chuchus e outras verduras em uma plantação louca, onde as horas passam aceleradamente. Mas isso pode não ser problema: se minha fome de conhecimento for tão grande quanto a fome de alimentos das populações miseráveis do globo, pepinos e chuchus em demasia, penso eu, viriam bem a calhar.

Se não me engano, foi Russel quem disse que a inteligência de um homem se mede pela quantidade de incertezas que ele é capaz de armazenar - sem perder a noção das coisas. E receio que ele tenha acertado em cheio. Em nossas vidas, mais vale manter a lucidez a salvo, enquanto nossas dúvidas tentam assassiná-la a todo custo, do que submetê-la ao agoniante martírio da busca pelas Verdades. Pragmaticamente falando, claro. Em meu íntimo, sei que jamais deixarei de me aventurar pelas florestas do desconhecido, como um Indiana Jones da metafísica, incessantemente à procura das respostas para as coisas ditas imperscrutáveis. Imperrrrrscrutráveis. Imperssssscrutáveis. Sei lá.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O Super-homem e o sentido da vida I

Do alto de um dos maiores arranha-céus de Metrópolis, o Super-Homem observava, taciturno, o sol se pondo no horizonte. Era um fim de tarde cinzento e nebuloso, tal qual o próprio estado de espírito do Homem de Aço. A fumaça das indústrias das regiões próximas, já bastante visíveis, confundiam-se com as belas e naturais nuvens do céu.

O Super-homem estava inconformado. Triste. Infeliz. Desestimulado. Nunca antes se sentira assim. Poucas horas antes, acabara de pôr fim em mais um dos sinistros planos de Lex Luthor, seu maior inimigo. Ironicamente, o mais fácil de ser derrotado com os punhos, mas invencível pelo que representava, o lado sórdido da alma humana, seu cruel desejo de sempre querer se afirmar acima dos outros, de ter Poder sobre tudo e todos, de ser o próprio Deus. Isso ficou bem claro no diálogo que eles trocaram no escritório de Luthor, antes da polícia chegar para levá-lo preso.

-Por que você faz isso? – Perguntara Lex, olhos cínicos fixados nos de seu captor. – Por que continua a me perseguir e a pôr fim nos meus planos, sempre e sempre, sabendo que eu nunca permanecerei preso mais que uns poucos meses e logo voltarei a arquitetar mais um plano para derrotá-lo e aumentar meu poder?

-Porque esse é o meu dever, Luthor. Eu devo incansavelmente combater o Mal e lutar pela justiça, defendendo aqueles que não têm condições de se defender. Pessoas como você são o que há de pior na humanidade e eu nunca vou deixar de combatê-los.

-Você é um idiota, Super-homem. Ainda não entendeu que sua luta é em vão? Essas pessoas que você tanto insiste em defender são iguais a mim, não sou mais cruel que elas. Eu apenas não me escondo atrás de falsas virtudes e hipocrisias sociais. Não preciso delas! Tenho Poder e, com ele, sou capaz de tudo! Qualquer pessoa em meu lugar agiria da mesma forma, pois o Homem não pode se controlar quando não há limites para suas ações. Ele é um escravo de si mesmo.

-Você se engana, Luthor. O Homem é naturalmente bom, mas as pressões da sociedade fazem com que ele perca aquela pureza inicial e acabe se tornando, às vezes, uma pessoa ruim, mas nada que não possa ser consertado. Nem todo homem se deixa levar pelo Poder. Eu nunca me deixei.

-Você, “Homem”?- ironizara Lex, rindo em seguida. – Você é qualquer coisa, menos Homem. Você pode voar, você é super-forte, tem visão de raio x. Você é tão humano quanto este prédio é vivo. Jamais poderá compreender a essência humana. A fragilidade do homem o conduz por um caminho que invariavelmente o torna um ser monstruoso, sempre a lutar contra os outros para se manter vivo. Não há bondade alguma nisso, apenas instinto de sobrevivência. Todos esses que você defende se voltariam contra sua pessoa caso você não fizesse o que lhes é conveniente. A sua pseudo-justiça é proteger os mais fracos sem se importar com o que lhes acontecerá no outro dia. Na verdade, você nunca muda nada, apenas satisfaz o seu super-ego, sabendo que as coisas são do jeito que você quer e não há quem lhe possa derrotar. No fim, você não é melhor nem do que eu.

-Em sua megalomania, Luthor, você já não sabe mais a diferença que há entre proteger as pessoas e buscar mais Poder? Posso não ser humano de fato, mas sou mais Homem do que você ousaria pensar em ser. Em minhas ações, eu me baseio não apenas em minhas próprias, mas no exemplo de muitas outras pessoas, que não hesitariam um instante antes de dar suas vidas em nome da justiça. E se há pessoas capazes de tal gesto, então não se apresse ao condicionar a essência humana a uma simples necessidade de se manter vivo a todo custo. E jamais compare as minhas atitudes com as suas. Eu luto em prol de um Bem Maior e, você, apenas por si mesmo.

-Tolo! Que Bem Maior é esse pelo qual você luta? Enquanto você se diverte nessa sua fantasia ridícula e brinca de esconde-esconde com bandidos como eu, o mundo inteiro vai se deteriorando. Todos os valores morais e éticos há muito já não valem mais nada, só há uma eterna busca por poder e dinheiro, aliás, como sempre foi! E não adianta jogar todo o peso dessas acusações apenas em cima de mim. Já faz tempo que o planeta foi loteado entre as grandes corporações, os novos dinossauros. É em torno das disputas entre estas que o mundo de hoje vai sendo moldado, tanto social quanto fisicamente, trazendo todos os malefícios ecológicos que com certeza você já sabe, mas que nada faz para evitar. A Luthorcorp apenas não foge da realidade e busca se consolidar nos valores da sociedade vigente. Se eu não lutar por mim, quem lutará? Você? Você já está muito ocupado, lutando contra a História. Admita, Super: você está ultrapassado. O mundo e os homens estão condenados desde os primórdios. A pergunta que fica é: o que vai ser de você depois que nós nos formos? Quem é você, Super-Homem?

Foram estas últimas palavras de Lex Luthor que levaram o nosso herói ao atual estado em que se encontrava. Ele tinha perdido as esperanças. Realmente, nunca havia parado para pensar sobre sua identidade, não dessa forma. Desde o começo, quando descobria, pouco a pouco, seus poderes, ele se indagara sobre o porquê deles. Mas nunca se perguntou sobre o seu próprio porquê: quem era ele? Quem era aquele ser com uma roupa azul e uma capa vermelha, que alternava sua identidade com um simpático e desengonçado jornalista do Planeta Diário? E mais: estaria seu destino moldado como o de todos os homens, ou, pelo fato de ele ser de outra raça, um kriptoniano, ele pertencia a outra linha de destino? O que o aguardava depois da morte? O que era a própria morte? Haveria um Deus que o estaria observando em todos os momentos, afim de lhe julgar quando se esvaísse sua vida? Se assim fosse, qual o motivo de tudo aquilo? Qual o motivo das guerras, das batalhas sem fim, do ciclo de ódio que se perpetuava em todas as vidas?

Ele sentia que, sem responder a esses questionamentos, não poderia continuar. Todas as suas ações seriam em vão enquanto ele não respondesse a principal pergunta: afinal, qual o sentido da vida?

Sentado no topo do maior arranha-céu de Metrópolis, o Super-Homem chegara a uma conclusão. Se o Universo o convidava a descobrir seus segredos, ele não hesitaria em seguir até seus confins, até o fim do Espaço e do Tempo, com o intuito de desvendar as respostas.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Os engravatados e suas maravilhosas histórias

Ah, esses engravatados... O que se pode dizer? Que eles são desonestos, mesquinhos, corruptos e mentirosos, não é permitido, pois aí não seria original. Sem contar a ínfima minoria dentre eles - e põe ínfima nisso - que podem usufruir da alcunha 'honesto' e que seriam desrespeitados com a generalização. Esses engravatados... Pelo menos, eles são elegantes. Elegantes e inteligentes. E com essa elegância e inteligência, vão conseguindo ludibriar a maior parte dos brasileiros.

Há pouco mais de um mês, um crime brutal chocou a opinião pública: o caso do menino João Hélio, arrastado por um carro durante sete quilômetros preso ao cinto de segurança do automóvel - pendurado do lado de fora. Os ladrões que cometeram o hediondo crime, dois jovens, um de dezoito, o outro, de dezesseis, logo foram execrados pela sociedade - com razão - e logo surgiu o debate: o que propicia o surgimento de tais atitudes e como evitar que elas voltem a acontecer? Os engravatados rapidamente arranjaram uma resposta: ora, era óbvio que a culpa de tudo isso era a falta de punição e a alta (?) idade penal. As soluções, portanto, seriam baixar a idade penal de 18 para 16 anos e aumentar o cerco aos jovens marginais das favelas. Ninguém discutiu que talvez, num caso como esse, os culpados imediatos sem dúvida eram os rapazes, mas que, num contexto geral de culpa, não há uma só pessoa isenta de julgamento. Ninguém discutiu que, talvez, a resposta para a barbaridade do ocorrido tivesse a ver com a origem dos rapazes, uma favela, locais reconhecidamente miseráveis e violentos, palco de atividades ilícitas, entre as quais o tráfico de drogas e a prostituição, resultados de toda má administração pública, da vista grossa dos governantes, de todos os péssimos avanços sociais e de igualdade social. Ninguém pensou que a psiquê atormentada e desumana dos criminosos tivesse alguma ligação com o preconceito que eles com certeza vinham sofrendo desde a infância, do descaso das autoridades para com seus cruéis destinos, da falta de oportunidades geradas por um Estado controlador, corrupto e hipócrita. Não... Os engravatados não tocaram nesses assuntos, apenas prosseguiram com o seu ritual de esquivas e mascaramento das verdades.

Ah, esses engravatados... A sociedade chiou depois desse crime e eles tiveram que tomar medidas drásticas. Tiveram que tomar as rédeas da situação. Os jovens criminosos foram prontamente capturados e tratados da forma desumana que "merecem" assassinos como eles. Serão julgados e condenados - ou já foram, sei lá - e tudo voltará a ser como antes. Talvez pior. Pelo menos, é o que faz parecer a nova lei de crimes hediondos, que permite que os autores de tais crimes tenham direito a liberdade provisória antes e durante o julgamento, dependendo do aval do juíz. Se tivéssemos um judiciário perfeito, uma decisão como essa poderia ser encarada como uma vitória da democracia e do Direito. Como se sabe, o nosso sistema judiciário também está nas mãos dos engravatados, então essa lei se efetivará apenas contra a banda de cá.

No que diz respeito às bandas de lá, a impunidade será a mesma, como foi o caso da morte do índio pataxó Galdino, que completará 10 anos no dia 20 deste mês. O incidente, ocorrido em Brasília, anda fora das manchetes, mas é fácil de ser lembrado: afinal, quem esqueceria o episódio no qual cinco jovens bem-nascidos, entre eles, um menor, jogaram óleo diesel e, em seguida, atearam fogo ao índio que dormia no banco de uma parada de ônibus? Ninguém, óbvio. Mas, com a condescendência da mídia, o caso foi abafado. O crime, notadamente hediondo, no mínimo, doloso, foi tachado apenas como lesão corporal seguida de morte e os jovens, à época, receberam uma pena branda. Hoje, estão cumprindo-a em liberdade.

Afinal, são filhos de engravatados e futuros engravatados. E, como é de praxe no Brasil, eles sempre riem por último. De nós, das leis e de prazer, sem pudor. Além de elegantes e inteligentes, bem-humorados. Sem-vergonhas, porém, gentleman's . Impecáveis.

domingo, 8 de abril de 2007

O menino e a chuva

O menino veio correndo assim que começou a ouvir aquele barulhinho gostoso e contínuo, que vinha acompanhado do não menos delicioso cheirinho de terra molhada. Correu, muito rápido, quase tropeçando no vaso favorito de sua mãe. Era a chuva, era ela! Com aquele seu descolorido fantástico, riscando a realidade como um lápis. Ele mal pôde acreditar, como estava grossa! Era a sua chuva favorita, daquelas que até doem um pouquinho as costas, como se as gotas trouxessem pequenas agulhinhas dentro delas.

Em poucos instantes, o menino já estava todo ensopado, parecendo roupa que acaba de sair da lavanderia. Ah, se sua mãe lhe visse agora, com certeza lhe daria uns bons cascudos, afinal, ele estava usando uma de suas roupas novas. Mas não tinha problema, depois pensaria nisso. Agora, ele só queria aproveitar a maravilha daqueles instantes. Sentir a água escorrer pelo seu rosto e lhe lavar a face. Correr, como que sem rumo, sentindo a pressão do vento lhe comprimindo as ventas, tal qual um cachorrinho desses vira-latas, sem dono, sem destino, sem medo. Tudo o que era mundo era agora uma realidade distante, sem qualquer parentesco com aquela felicidade vadia e molhada da chuva, de riso simples e despreocupado, fácil como somar um mais um.

Sempre que chovia, o menino gostava de ir a um lugar secreto, só seu, lá detrás da casa que ficava ao lado do terreno baldio. Tinha um tronco que servia como um banquinho e uma espécie de bica, onde a água descia como uma cascata. Como a água era forte e gelada! Às vezes, vinha um sei-lá-quê de essência fria por dentro da cachoeirinha, que ele até sentia um arrepio subir-lhe por toda a espinha. E ele ficava lá, parado, deixando a água abraçar-lhe o corpo e tomar a forma do seu ser, com o tempo parecendo parar, como se só houvesse ele e aquele momento no universo.

Sem aviso e indo sabe lá onde, a chuva começava a esmorecer, sem perder ainda a maior parte de sua potência, mas já deixando os sinais que anunciavam que, dentro em breve, partiria pra outro local. Nessas horas, o menino sentia uma espécie de tristeza passageira, como quem sabe que sua fonte de prazer lhe será roubada. Era comum, quando sentia isso, que ele sentasse no tronco que parecia um banquinho e ficasse sentado ali, observando a paisagem banhada, até que rareassem as gotas. Como tudo era tão mais bonito molhado! Quer dizer, nem mais bonito, mas um bonito diferente, como uma mão que tirasse o véu que escondia a verdadeira forma por detrás das coisas. Tudo parecia tão real! Mais natural do que qualquer outra naturalidade. De vez em quando, seu olhar se deixava levar junto à correnteza de um desses alegres riozinhos que se formam com a água abundante que cai dos céus. Não raro, ele se imaginava bem pequeno, proporcional ao arroiozinho, a desbravar aquelas águas com um de seus barquinhos, em busca dos segredos do mundo das pequenas coisas. Uma fantasia que sempre o deliciava, não apenas pela aventura em si, mas também porque deixaria aquele mundo sem sentido pra trás, com seus pais sempre ausentes, mais preocupados com o que os outros pensavam do que com ele, com crianças sem infância que disputavam por qualquer coisa no colégio, como adultos ocultos em corpinhos infantis, gente grande precoce; mundo de pessoas apressadas, sem tempo pra um sorriso, pra uma brincadeira, pra qualquer contato mais íntimo com a eterna beleza do aqui e agora. Seus pensamentos nem sempre eram tão profundos assim, porém, no seu âmago, ele sentia aquelas palavras mais intensamente do que qualquer poeta ou filósofo, mesmo sem se dar conta.

No fim, a chuva não era mais que pequenas teias de aranha líquidas enroscando-se em sua pele e o sol já era uma bola amarela no céu. Cansado, o menino vinha caminhando sem pressa pra casa, contemplando a realidade, que parecia despertar de um sono, ou simplesmente retornado do lugar onde tinha ido se abrigar da chuva. As pessoas o olhavam com um misto de curiosidade e desprezo, como se o simples fato de estar encharcado o transformasse num mendigo ou num vagabundo qualquer. Ele nem ligava. Às vezes, até achava engraçado. Queria poder dizer pra aquela gente que elas não precisavam ser tão sérias, que, sim!, era permitido fazer coisas estranhas vez ou outra , que a felicidade pode estar mais perto do que se imagina e que nada impedia que a vida fosse diferente daquela mostrada todos os dias nos noticiários e jornais. Não exatamente desse jeito, mas algo assim. Mas sabia que só receberia olhares de reprovação e um bom sermão sobre a dura realidade, como sua mãe sempre fazia.

Um dia, ele pensava, iria tentar mostrar pra todos que o seu mundo ideal não era apenas faz-de-conta e faria o possível pra que todos pudessem ser felizes, como ele achava que devia ser desde o começo. Mas isso, quando fosse maior. Por enquanto, ele apenas esperaria pela próxima chuva, trazendo de volta aquela sensação de liberdade e plenitude que, naqueles breves momentos, brotava do fundo de sua alma.

segunda-feira, 26 de março de 2007

O blog das ignorãças

As palavras são as desimagens.

Ah, se eu pudesse saborear o brilho das estrelas como ouço a música que emana da terra!
Elas têm o cheiro da luz do sol.
Mas nem sei escrever sobre a natureza, apenas me espaço-tempo.
Soletro velhas letras no vazio da robótica gramática.

E tudo isso que não sou, será meu verdadeiro ser?
Todas as minhas relíquias serão vulgares ao meu senhor?
Desvejo as horas e me intransformo no deus das coisas sem sentido.
Será destino ou desatino?

Num instante, tudo que sorrio lembra o gosto de uma tempestade.
Mas, claro, com uma leve pitada de rio antigo na mata.
Eu sou a raíz quadrada do universo.
E como todo universo, sou criação do unipoeta.

Me água saber de tudo isso.


*** *** ***


Me tropeço na saudade de uma lua.
Ah, Manoel de Barros, que fizeste com meus impensamentos?
Qualquer frase que desescrevo é rede pescando teus peixes.
Mas nem aí, mergulho em teus mares.

Sou borboleta atrás do segredo das flores.
Sou pico desfolhando nuvens-chuva entre a criança-atmosfera.
Sou pequenos acordes de luz no compasso de uma carne.

Uma a uma, reconstruo as paredes do abstrato
e o concreto
ri.

Vislumbro uma janela escondida numa jaula.
Me fujo.

(Lá fora, um desotérico mundo.
Tudo, tudo!, é simplesmente folha ao vento.
Fruto da imagem-ação de um deus-humano deus.
Que bela eza)!



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Sei lá o que me deu pra escrever isso aí. Depois que li uns trechinhos do Livro das ignorãças, de Manoel de Barros, não pude deixar de acender em mim uma apagada vela de poeta. Não passou de um plágio mal-feito, eu sei. Mas não pude resistir.

Em todo caso, minha singela homenagem.