terça-feira, 10 de abril de 2007

Os engravatados e suas maravilhosas histórias

Ah, esses engravatados... O que se pode dizer? Que eles são desonestos, mesquinhos, corruptos e mentirosos, não é permitido, pois aí não seria original. Sem contar a ínfima minoria dentre eles - e põe ínfima nisso - que podem usufruir da alcunha 'honesto' e que seriam desrespeitados com a generalização. Esses engravatados... Pelo menos, eles são elegantes. Elegantes e inteligentes. E com essa elegância e inteligência, vão conseguindo ludibriar a maior parte dos brasileiros.

Há pouco mais de um mês, um crime brutal chocou a opinião pública: o caso do menino João Hélio, arrastado por um carro durante sete quilômetros preso ao cinto de segurança do automóvel - pendurado do lado de fora. Os ladrões que cometeram o hediondo crime, dois jovens, um de dezoito, o outro, de dezesseis, logo foram execrados pela sociedade - com razão - e logo surgiu o debate: o que propicia o surgimento de tais atitudes e como evitar que elas voltem a acontecer? Os engravatados rapidamente arranjaram uma resposta: ora, era óbvio que a culpa de tudo isso era a falta de punição e a alta (?) idade penal. As soluções, portanto, seriam baixar a idade penal de 18 para 16 anos e aumentar o cerco aos jovens marginais das favelas. Ninguém discutiu que talvez, num caso como esse, os culpados imediatos sem dúvida eram os rapazes, mas que, num contexto geral de culpa, não há uma só pessoa isenta de julgamento. Ninguém discutiu que, talvez, a resposta para a barbaridade do ocorrido tivesse a ver com a origem dos rapazes, uma favela, locais reconhecidamente miseráveis e violentos, palco de atividades ilícitas, entre as quais o tráfico de drogas e a prostituição, resultados de toda má administração pública, da vista grossa dos governantes, de todos os péssimos avanços sociais e de igualdade social. Ninguém pensou que a psiquê atormentada e desumana dos criminosos tivesse alguma ligação com o preconceito que eles com certeza vinham sofrendo desde a infância, do descaso das autoridades para com seus cruéis destinos, da falta de oportunidades geradas por um Estado controlador, corrupto e hipócrita. Não... Os engravatados não tocaram nesses assuntos, apenas prosseguiram com o seu ritual de esquivas e mascaramento das verdades.

Ah, esses engravatados... A sociedade chiou depois desse crime e eles tiveram que tomar medidas drásticas. Tiveram que tomar as rédeas da situação. Os jovens criminosos foram prontamente capturados e tratados da forma desumana que "merecem" assassinos como eles. Serão julgados e condenados - ou já foram, sei lá - e tudo voltará a ser como antes. Talvez pior. Pelo menos, é o que faz parecer a nova lei de crimes hediondos, que permite que os autores de tais crimes tenham direito a liberdade provisória antes e durante o julgamento, dependendo do aval do juíz. Se tivéssemos um judiciário perfeito, uma decisão como essa poderia ser encarada como uma vitória da democracia e do Direito. Como se sabe, o nosso sistema judiciário também está nas mãos dos engravatados, então essa lei se efetivará apenas contra a banda de cá.

No que diz respeito às bandas de lá, a impunidade será a mesma, como foi o caso da morte do índio pataxó Galdino, que completará 10 anos no dia 20 deste mês. O incidente, ocorrido em Brasília, anda fora das manchetes, mas é fácil de ser lembrado: afinal, quem esqueceria o episódio no qual cinco jovens bem-nascidos, entre eles, um menor, jogaram óleo diesel e, em seguida, atearam fogo ao índio que dormia no banco de uma parada de ônibus? Ninguém, óbvio. Mas, com a condescendência da mídia, o caso foi abafado. O crime, notadamente hediondo, no mínimo, doloso, foi tachado apenas como lesão corporal seguida de morte e os jovens, à época, receberam uma pena branda. Hoje, estão cumprindo-a em liberdade.

Afinal, são filhos de engravatados e futuros engravatados. E, como é de praxe no Brasil, eles sempre riem por último. De nós, das leis e de prazer, sem pudor. Além de elegantes e inteligentes, bem-humorados. Sem-vergonhas, porém, gentleman's . Impecáveis.

Um comentário:

Seane Melo, Secoelho disse...
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