– Eh... Com licença...
– Pois não?
– Eu queria te dizer uma coisa... Posso?
– Que coisa?
– Uma coisa.
– Hm... Pode, pode sim. O que é?
– Bom, eu sei que é meio estranho te dizer isso...
– Não, não, pode falar. Agora eu fiquei curioso.
– Tem certeza?
– Não foi você que disse que queria falar? Então: agora fala.
– É verdade... Bom, então lá vai...
– Sim?
– Eu sou Você.
– O quê?
– Eu sou Você.
– Você sou eu? Como assim?
– Ora, é isso mesmo que você ouviu: eu sou você, você sou eu.
– Eu não sou você.
– Claro que é. Nós estamos sendo escritos pela mesma Pessoa.
– Como assim, “escritos”?
– Há Alguém escrevendo o que estamos falando.
– Você é doido...
– Então você também é doido. Nós somos doidos.
– Ai, ai, é cada uma que me aparece... Olha só, é o seguinte: eu vou te dar uma chance de provar que o que você ta falando é verdade.
– Tudo bem, provarei. Começo lhe fazendo uma simples pergunta: onde você estava antes?
– Antes?
– É, antes. Antes de eu falar com você.
– Eu estava ali.
– “Ali”, onde?
– Ora... Ali!
– Você está me enrolando. Você não sabe onde estava!
– Claro que sei.
– Onde?
– Ta bom. Suponhamos que você esteja certo e eu não saiba onde estava. O que isso prova?
– Prova que você não sabe onde estava porque só começou a existir assim que Ele começou a escrever.
– “Ele”, quem?
– Ele. O Autor.
– Você é louco...
– Não sou louco. Pense um pouco: você está aqui agora conversando comigo e não tem a menor idéia de onde estava antes. De repente, eu o chamei e nós iniciamos este diálogo. Que é na verdade um monólogo. Do Autor.
– Você está me deixando confuso...
– Desculpe. Mas é a verdade.
– Será?... Como você pode ter certeza?
– Através da intuição e do raciocínio. Veja, vamos continuar com a prova: onde você está agora?
– Agora...? Eu... Eu... Eu não sei!
– Está vendo? Você nem sabe onde está agora mesmo. Mas não se desespere, ainda há mais uma perguntinha a ser feita, pra finalizar: quem é você?
– Ah, meu Deus... Eu também não sei! O que é isso? Como posso não saber todas essas coisas?! Como posso não saber de onde eu vim, onde estou e quem eu sou? É impossível!
– Não é impossível. Está acontecendo agora.
– VOCÊ QUER ME DEIXAR MALUCO? É ISSO?
– Não, sinto muito... Minha intenção era simplesmente alertá-lo sobre estas coisas e dizer que nós somos a mesma Pessoa.
– Tudo bem, me desculpe... Eu me exaltei. Mas é que é tão difícil... Eu nunca poderia imaginar...
– Eu sei, eu sei... Também passei por isso.
– Hm... Me fale mais sobre o Autor.
– Não sei muito sobre Ele. Apenas que Ele está nos escrevendo.
– Ele está nos escrevendo mesmo agora? Neste instante?
– Sim. Cada palavra.
– Fascinante... Como Ele faz isso?
– Bom, parece que antigamente Ele usava uns instrumentos divinos chamados Caneta, ou Lápis, ou Pena, e Papel. Escrevia com o Lápis (ou a Caneta ou a Pena) no Papel. Mas, hoje em dia, acredito que estejamos sendo digitados.
– “Digitados”?
– Isso. Escritos por um Teclado, no Computador.
– Quer dizer que estamos, agora, no Computador?
– É o que eu acredito.
– O que é um Computador?
– Isso eu ainda não sei.
– Minha nossa... Tudo isso é muito novo pra mim, nem sei o que pensar.
– Pois é...
– Mas, vem cá, você não disse que eu sou você?
– Sim, porque estamos sendo escritos pela mesma Pessoa.
– Então nós somos o Autor?
– Não. O Autor é nós dois ao mesmo tempo, mas nós não somos o Autor. Ele é e pode ser qualquer coisa que quiser. Basta Ele escrever.
– Mas por que Ele quis ser, escrever, sei lá, nós? Pensando bem, por que Ele escreve?
– Você tocou o cerne da questão. Acho que isso nunca saberemos ao certo. Só podemos fazer suposições, enquanto não chega o Fim do Texto.
– “Fim do Texto”?
– É. Quando Ele pára de escrever.
– E Ele pára de escrever?
– Sim. Eventualmente.
– E o que acontece conosco?
– Não sei.
– Como, você não sabe? Você sabe tantas coisas e não sabe o mais importante?
– Na verdade, acho que foi o contrário: mostrei que não sabemos nada.
– Não entendo...
– Você parece que já assimilou algumas coisas, mas ainda não compreendeu o essencial. Eu sou Você. Eu passei a existir na mesma hora em que você, talvez um pouco antes, mas somente quando o Autor começou a escrever. Não faço a menor idéia de por que eu sei algumas coisas e não sei outras, eu simplesmente sei. Porque Ele quis! O motivo d’Ele o querer, eu não sei.
– Mas isso já é demais... Estou a ponto de enlouquecer...! Já não bastava não conhecermos nossa origem ou quem somos nós ou nem sabermos onde estamos, já que nada adianta sabermos que estamos no Computador e não sabermos o que é o Computador; ainda temos que conviver com o fato de que uma hora chegaremos ao Fim do Texto e nem sabemos pra onde vamos depois!!!
– E nem o porquê de tudo isso.
– Exato! Nem isso! Saber que a qualquer instante o Texto pode acabar e que estas podem ser minhas últimas Palavras... E se minhas últimas Palavras forem sem sentido, sem nexo, um amontoado de pensamentos inúteis ao fim de um diálogo sem motivo, que começou ao acaso, um...