sábado, 26 de abril de 2008

Brasil brasileiro e Estados Unidos estadunidenses

Enquanto nos Estados Unidos – nação que em sua última eleição deixou escapar rastros de uma fraudulenta contagem de votos – a democracia deu a volta por cima e agora dá show, com dois candidatos democratas, uma mulher (nossa!) e um negro (meu Deus!), numa corrida partidária sem precedentes pela vaga (ainda) de candidato oficial à presidência, o Brasil, infelizmente, envereda pelo caminho contrário, dando oportunidades diversas à proliferação da corrupção, à canalhice e à conquista desenfreada de poder em detrimento dos princípios. Não bastasse a oposição geográfica e econômica, acrescenta-se mais essa dicotomia entre os dois países.

Bom, não que eles situem-se nos extremos exatos e opostos de fortalecimento da democracia. Nem o Brasil deixou-se corromper totalmente pela “malandragem” e pelo deixapralaismo, nem “a América” abandonou os seus hábitos sabidamente culturais de mentiras em prol do imperialismo e imperialismo em prol de mentiras. Mas, para fins de comparação, a situação brasileira deixa muito a desejar.

Pobre Brasil... No dia em que sua mais recente constituição foi promulgada, a americana havia recém completado duzentos e um anos. Duzentos e um! Assim, fica difícil mesmo competir. A constituição dos Estados Unidos foi aprovada definitivamente em 17 de setembro de 1787, com a bênção de Thomas Jefferson e os demais “Pais” da República americana. De lá pra cá, a estrutura política estadunidense permaneceu inalterada, mudando apenas as visões das sociedades das suas respectivas épocas e o melhor modo quanto à aplicação da democracia. Além disso, nossos irmãos continentais foram peça fundamental em duas guerras mundiais, assassinos em massa de vietnamitas e pólo vencedor da Guerra Fria, o que deixou caminho favorável para o derradeiro alastramento do capitalismo (sua principal fachada), tornando-se, enfim, a potência dominante.

A trajetória brasileira foi, contrariamente à americana, bastante atribulada - aliás, como as demais trajetórias políticas dos países da América latina. A nossa “independência” nos tirou das garras de Portugal e nos jogou nos braços dos famigerados ingleses – que, afinal, já eram nossos donos mesmo, visto que mandavam nos portugueses. Após o enfraquecimento da Inglaterra com as duas guerras mundiais, nossos patrões-mor tornaram-se os Estados Unidos, que nos trouxeram um breve período democrático como sucessão à República Velha e à Era Vargas, mas que rapidamente patrocinaram a chegada da ditadura militar no país, com medo da “ameaça comunista”. Depois, quando a ditadura não mais era necessária, já que o socialismo russo mostrava inequívocos sinais de decadência, permitiu-se que a democracia retornasse ao nosso território. Timidamente, mas já era um começo.

Os dois países iniciaram a década passada com otimismo e uma boa dose de pensamento positivo. Para os americanos, era a época de desfrutar pela primeira vez um mundo em que não havia nenhuma outra nação a temerem, em que eles podiam ser chamados definitivamente de líderes mundiais. A imagem que ficaria deles desse período era a do democrata Bill Clinton como bom mocinho, símbolo de um país altruísta e defensor da liberdade. Já para os brasileiros, era a oportunidade de poder se reconciliar com a democracia, esta nossa amiga de longa data, afastada de maneira tão terrível e traumática da nossa gente, e por tanto tempo. Nem o fato de que, na primeira eleição em décadas o povo brasileiro elegeu um patife como presidente – que logo sofreu um merecido impeachment – pôde de alguma maneira manchar as conquistas tão almejadas pela nação e, dependendo da pessoa, poderia mesmo se tornar uma nota de rodapé. Desse tempo, a imagem mais marcante é provavelmente a da implementação do Plano Real pelo presidente Fernando Henrique, que trouxe uma nova perspectiva para a economia brasileira, assombrada por uma época não tão longínqua de moratória, congelamento de preços e inflação.

E chegamos, enfim, ao século 21, que trouxe certas desilusões à tona – e algumas seqüelas. A máscara de filantropia e bom mocismo dos EUA caiu, assim como sua respectiva popularidade no mundo, com a subida de George W. Bush ao mais alto posto americano, revelando um país mesquinho e autoritário, sedento de poder e partidário ativo de um imperialismo desmedido. Uma nova guerra no Iraque, à base de argumentos, no mínimo, discutíveis, foi o de menos. O que chocou mesmo foi a notícia de que o Sr. Bush, arauto do Apocalipse, recusou-se a assinar o protocolo de Kioto, o que equivaleu a admitir que os americanos se lixam (sem trocadilhos) para os problemas ambientais, principal preocupação da atualidade. Pelo menos, com o auspicioso fim da era Bush, o povo americano parece estar arrependido das recentes atuações de seu país e demonstra uma atitude de mudança, participando ativamente do processo eleitoral deste ano e, ao menos para boa parte da população, depositando suas esperanças em candidatos com imagens e promessas bem mais próximas das da era Clinton.

E quanto ao Brasil? Bom, para o Brasil, o novo século também não foi muito bondoso. Começamo-lo com um novo sentimento de esperança, algo poucas vezes experimentado pelo nosso povo: Lula no poder! Luís Inácio Lula da Silva, ex-torneiro-mecânico e famoso líder sindical grevista, o eterno candidato do PT, partido que historicamente lutou pelas causas do povo e dos trabalhadores e sempre foi uma ilha de ética no mar de lama de Brasília, havia finalmente se sagrado vencedor das eleições presidenciais de 2002 e iniciaria quatro anos de mandato. Mas a esperança rapidamente deu origem a uma decepção generalizada entre todos aqueles que sonham com algo mais que um Bolsa-Família, pois Lula, o governo e o PT sucumbiram ao festival de corrupção que assola o corpo político brasileiro e se renderam aos encantos da demagogia, do populismo e da politicagem, caindo como cães famintos nos cofres públicos, fossem com mensalões – como antes –, fossem com cartões corporativos – como agora. Fosse com alianças indignas com os principais corruptos do país (leia-se aqui: Sarney e seus equivalentes regionais), fosse com a distribuição arbitrária e interesseira de cargos de todos os escalões do governo com o propósito de obter maioria no Congresso, o fato é que o governo Lula corrompeu-se por completo, deixando uma sensação palpável, indubitável e desagradável de que o Brasil não tem jeito, que jamais conseguiremos fugir à corrupção e que seremos para sempre uma nação de miseráveis e ignorantes, sonhadores e malandros, eternamente presos àquele velho clichê do que poderia ter sido, e que não foi.

É bem povável que estes destinos tão opostos tenham origem nas motivações por trás dos movimentos imigratórios europeus à época do descobrimento do Novo Mundo, que lançaram a sua porção setentrional uma leva de imigrantes com a firme vontade de recomeçar suas vidas e constituir um novo lar, puritanos eficientes e resolutos, fugidos da perseguição implacável da Igreja Católica contra os protestantes; enquanto que para o Centro e o Sul trouxeram uma corja de bandidos, ladrões e canalhas de toda ordem, vagabundos e pusilânimes diversos em busca de novas empreitadas sórdidas ou apenas ambiciosos e cruéis exploradores com ânsia de enriquecer a qualquer custo. Mas isso não serve mais como desculpa para uma inalterável e inexorável trajetória de dependência, subserviência, apatia e total desorganização brasileira, em relação aos Estados Unidos ou quaisquer potências hegemônicas de outrora. Os bons exemplos americanos estão aí para serem seguidos. Basta dessa cultura vulgar e desprezível de malandragem e vocações rítmicas, que são progenitoras do atraso, da miséria e da exaltação do vício e da devassidão. A esperança, (in)felizmente, ainda não morreu e é necessário somente vontade, coragem e trabalho duro (somente?!) para mudar a situação atual e transformar radicalmente o futuro do nosso país, roubado do sonho antigo de grandeza pela realidade que se nos apresenta. E essa cartilha deve ser seguida ao pé da letra, sem medo ou inseguranças, mesmo que o futuro do nosso país esteja indiscutivelmente interligado ao dos estadunidenses e isso signifique talvez uma guerra nuclear ou caos total da natureza, o que vier primeiro.

Mas isso já é uma outra história.

Um comentário:

Seane Melo, Secoelho disse...

Caraca, Gato, esse texto tá perfeitoooooo! Adorei mesmo, principalmente a forma como foi escrito e a quantidade de informação presente =D

Com relação ao governo Lula e à corrupção, acredito que é até bom que ela esteja aparecendo! Nunca foram tantos escândalos, mas o mensalão, por exemplo, sabe-se que era praticado há um bom tempo. Quem sabe agora a impunidade não sai de moda?

Outro ponto importante diz respeito a chamada malandragem que você citou, e acredito que você ainda não tenha lido Roberto DaMatta, mas está corretíssimo!

=*