quarta-feira, 26 de março de 2008

Sambas e touradas

Parece encaminhar-se de volta à normalidade a situação diplomática entre Brasil e Espanha, após denúncias de maus-tratos e discriminação feitas por dois estudantes brasileiros barrados em território espanhol e repatriados em seguida, que desencadeou uma espécie de tensão velada entre ambos os países. As denúncias tiveram ainda maior impacto pois chamaram a atenção para a considerável freqüência com que tais cenas têm-se repetido, não apenas na Espanha, mas também em vários outros países europeus e nos Estados Unidos.

Não é de hoje que o problema da xenofobia, principalmente na Europa, gera esse tipo de discussão, de polêmica. A questão dos imigrantes ilegais, geralmente provenientes de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, permanece como uma constante nos temas discutidos dentro desses países (os desenvolvidos, claro), seja num desses cafés esnobes que abundam por lá, seja nas disputas eleitorais, notadamente as atuais (Sarkozy, na França, foi um dos que se elegeram com promessas de apertar o cerco aos estrangeiros ilegais). Não que essa persistência tenha sido por falta de cara feia européia: há muito tempo que nossos “amigos” colonizadores recebem-nos com mensagens do tipo “Venham apreciar as belezas que nos tornam infinitamente superiores a vocês, deixem seu rico dinheirinho conosco e caiam fora” - que, nas últimas décadas, vem sendo bastante utilizada também pelos estadunidenses - e que nós, brasileiros e sul-americanos em geral, ou fingimos não entender ou não levamos muito a sério.

É evidente que são muito raros os que apreciam que seu lar seja tomado por invasores de outras terras. Portanto, em certa medida, esse tipo de atitude por parte dos europeus e dos norte-americanos é até compreensível, não totalmente desprovido de argumentos. Mas as motivações por trás de tais ingressos sem convites podem dizer se, de fato, é justa a expulsão dos “invasores”, uma vez que é também evidente que não são muitos os que abandonam seu próprio lar para tentar a sorte em terras estranhas por um simples capricho. Por exemplo: se você põe fogo ou destrói a casa do seu vizinho, só com muita cara de pau reclamará se ele decidir armar uma barraca no seu quintal. E foi algo precisamente análogo a esta alegoria o que, de fato, sucedeu e vem sucedendo há um período já desmesuradamente extenso: não só a América Latina, mas também a África e a Ásia, de tão abjetamente exploradas pelos imperialismos de todos os tempos e de tão desumanamente viradas de ponta-cabeça por uma série de manipulações políticas e econômicas – quando não, por decisivas e sangrentas intervenções militares, tanto direta quanto indiretamente – viram-se, em virtude de todas essas tragédias impostas, vitimadas por grande parte das desgraças sociais que teimam em destituir a maioria das nações desses continentes de quaisquer chances relativas a uma verdadeira entrada no chamado Primeiro Mundo; expostos aos piores males que acometem a humanidade a milênios e que, por conta de toda essa indústria do mais-do-mesmo, insistem em se perpetuar nas populações destes infelizes países, seus cidadãos não vêem outra saída que não seja arrumarem as trouxas para tentar a sorte na casa de seus carrascos.

Um dos estudantes citados no começo desta crônica, Pedro Lima, que, junto com Patrícia Rangel, também deportada, ia para um Congresso em Lisboa e apenas fazia escala em Madri, sentindo seus direitos ameaçados após se ver durante várias horas detido e confinado numa sala de poucos metros quadrados, sem água e luz escassa, com muitos outros brasileiros e também com venezuelanos e africanos, decidiu reclamar com um dos policiais da imigração que os vigiavam na saleta. Disse-lhe que não, aquilo não estava certo, que eles estavam se sentindo humilhados, que estavam sendo tratados como cachorros.

- Mas vocês são cachorros – respondeu-lhe prontamente o policial.

Engraçado é saber que este policial é descendente dos mesmos espanhóis que, em meados do século XVI - e durante os subseqüentes séculos – invadiram o continente, à época, recentemente descoberto e batizado de América, e foram, juntamente com os portugueses, responsáveis por um dos maiores massacres de etnias já registrados na história, matando milhões e milhões de nativos pré-colombianos, coincidentemente, antepassados de muitos dos cidadãos que, como Pedro Lima, continuam a ser periodicamente humilhados e mal-tratados ao tentar obter um mísero retorno do todo que lhes foi vilipendiado já há muito tempo antes de nascerem.

3 comentários:

Seane Melo, Secoelho disse...
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Carla Pedraça disse...

Caro, felino. Sinto-me terrivelmente desonesta com minha própria classe, filo ou reino. Entendo pouco de biologia. Mas espero compreender em profundeza teus textos. E creio estar devidamente em dívidas com tal gato de outra nacionalidade.

Espero que possamos compartilhar emoções, em breve. Tenho novidades metafísicas pra você.

Ah, quanto as emoções dos textos em primeira pessoa. Acho que todo autor, mesmo amador, deixa derramar um pouco de si em seus textos. Mas antes que você pergunte, está tudo muito bem com minha juba.

Sinto-me honrada de compartilhar a mesma classe, filo ou reino, ou o que quer que seja, com você.

até mais.
Miau.

Carla Pedraça disse...

Agora pode alterar o nome do blog que tá no teu.
Eu cheguei a alterar duas vezes, mas agora é definitivo. Acredito.